Já nos perguntaram quais são os temas do cenário. Afinal, uma obra de ficção precisa de elementos que a distinguam de outras, que a tornem memorável ao público. Nós nem sempre soubemos como responder, tanto por despreparo quanto por achar que o cenário é capaz de abordar muitas histórias e situações diferentes, tentando ser abrangente por mais tolo e impossível que isso possa soar. Mas há algo que é universal à experiência humana, à nossa vida como pessoas e autores, e presente no cenário do começo ao fim, em todas as suas facetas.
Atma é uma sucessão de planos que deram errado. Nada ali é como foi planejado pelas entidades capazes de afetar a Criação, desde o seu Criador quanto àqueles que se opuseram a ele.
Qualquer aspecto importante exibe isto. Por exemplo, os Nefilim. Eles nunca deveriam ter sido uma ameaça, ou sequer terem existido. Eles estavam presos, mas a entidade chamada Gênesis os libertou para servi-lo. Senão já teriam morrido no Abismo, como era planejado por aqueles que os colocaram lá. E os pré-Nefilims foram trancados no que era basicamente uma lixeira cósmica porque eram deformações a serem removidas para arrumar a bagunça que a Criação havia se tornado em seus primórdios, bagunça esta resultado de uma rebelião por seres chamados Lemurianos, tentando tomar a Criação de seu Criador, EL.
EL foi a força que desenvolveu tudo a partir de suas reservas de energia. Brotando de sua semente (cujo tegumento era O adamante), ele floresceu e cresceu a si mesmo em sóis e planetas que pudessem sustentar vida, para que esta pudesse gerar almas, e, das relações (chamadas linhas de ley) entre as almas, surgisse o elemento vital chamado Prana, o sexto elemento do qual se cria tudo e todos. EL e a Criação eram praticamente indistinguíveis assim como uma consciência é inseparável do respectivo cérebro. Os sentimentos e o prana que fluem nas linhas de ley eram os caminhos do “sistema nervoso” de EL: cada paixão, suspeita e fúria serviam como equivalentes divinos do impulso elétrico que um neurônio envia a outro. O excedente de prana que as incontáveis almas produziam era levado às refinarias da Criação, melhor conhecidas como estrelas ou sóis. Ali, prana bruto se tornava prana puro, o qual era usado de várias formas: um tanto por EL para crescer, se desenvolver em novos sóis e planetas; uma parte era mandada de volta às almas para alimentá-las e perpetuar o processo, a luz natural do sol que banhava Ghara e sustentava vida; a parte que banhava a Lua era transformada no quinto elemento, mana, e enviada a Ghara através da relação entre a gravidade lunar e o mar; um restante era convertido nos quatro elementos, ar, terra, fogo e água assim como o Sol do planeta Terra cria ferro, oxigênio e carbono.
Mas EL não era onisciente ou infalível. Para apressar este processo, estabeleceu uma arquitetura fractal na Criação, fazendo com que diferentes áreas e camadas se afetassem mutuamente e fossem perfeitamente administráveis, a ponto de que nenhum detalhe lhe escapasse, nenhuma alma agisse por vontade própria mas seguisse o devido Destino planejado por EL. Também criou duas raças capazes de hospedar almas tão poderosas que após morrerem, apenas uma delas poderia ser reciclada e reencarnada em até vinte outras almas: os Dragões e os Lemurianos, coexistindo no primeiro planeta criado por EL, Ghara. Os primeiros eram quase iguais aos que existem atualmente: com dotes físicos e mágicos que vinham naturalmente com o tempo, quase alheios à natureza porque podiam afetá-la sem serem afetados em contrapartida. Já Lemurianos eram humanoides mais fracos, inteligentes e com três metros de altura mas precisando aprender a ser mais do que isso. Insatisfeitos ao se compararem aos Dragões, acumularam experiência e conhecimento até progredir além.
Por mais inteligentes e poderosos que fossem, tanto os Lemurianos quanto os Dragões desconheciam o que acontecia após a morte: de como um indivíduo era dissolvido até renascer em dez, quinze, vinte outros seres nos planetas da Criação, ou de como as grandes paixões e desafetos que tanto motivavam conflitos entre Lemurianos e Dragões alimentavam as fornalhas divinas a ponto de produzirem planetas inteiros. A Criação cresceu e ficou mais complexa, exigindo um intermediário entre almas e EL – nexos. Qualquer pessoa ou lugar, desde que fosse concebível ou imaginável, podia ser alvo de uma linha de ley, assim como os sentimentos e prana da mesma. Até uma rocha que viesse a receber atenção suficiente poderia acumular prana, e até eventualmente desenvolver uma alma e uma consciência rudimentar. E qualquer alma que fosse alvo de linhas de ley suficientes até atingir um certo patamar de prana e sentimentos se tornaria um nexo, algo não mais mortal mas nem exatamente divino, um entreposto para que o prana bruto seguisse até as estrelas. O próprio planeta Ghara, importante como era para tantos seres, rapidamente eclodiu uma enorme alma, uma consciência difusa e o grande nexo planetário que ligava tudo em sua superfície ao Sol. Por sinal, o Sol e Ghara tem até hoje sentimentos tão fortes a totalidade do um bilhão de almas que vivem em Ghara em 1415 AI.
Como disse, EL não era onisciente ou infalível, e era até apressado. Uma microfratura surgiu no nexo planetário de Ghara. Talvez fosse a única, ou talvez houvessem milhões delas. Tão minúscula que era absolutamente imperceptível, exceto para as artes de microengenharia lemurianas. E como os lemurianos nem sabiam fazer algo sem utilizar magia, eram capazes de ver e manipular mesmo algo invisível e imaterial como uma ruptura na alma de um planeta. O lemuriano pôde visualizar o que havia lá dentro. Viu almas sendo estilhaçadas em seres patéticos, as proezas e memórias de sua raça virando adubo para EL. Não sei quais palavras fariam jus à intensidade do choque, mas foi como filhos e filhas sentirem a traição de seus pais.
Após discussões, brigas e guerras, os lemurianos chegaram à decisão de se rebelar contra EL. A própria microfratura era a chave. Como uma falha na própria Criação, era invisível para EL, imune ao Destino. Os lemurianos a reproduziram e usaram-na para esconder as suas intenções, como armaduras contra o poder divino, como portas de acesso ao prana puro refinado pelo Sol. Através de nexos artificiais chamados Niveladores, construtos humanoides com quilômetros de altura capazes de acomodar toda a raça lemuriana, absorveram prana, transmitiram falhas que a própria arquitetura fractal cósmica multiplicava por todo o corpo de EL. A meta era nada menos que a completa subversão e metamorfose da Criação, e portanto EL, em algo sob o seu controle. As únicas palavras que fazem jus ao choque de EL é que foi como um pai e uma mãe serem traídos por seus filhos.
A primeira reação de EL foi prometer aos Dragões que nunca mais precisariam reencarnar em seres menores, caso O ajudassem a enfrentar os Niveladores, cuja existência era algo à parte da Criação, invisíveis e blindados de tal forma que EL não podia interagir com eles. Os Dragões receberam algo equivalente aos Niveladores, as Montanhas Sagradas Dracônicas, construções titânicas que receberiam as suas almas e as reencarnariam apenas em corpos dracônicos.
Podemos dizer isto da guerra entre Dragões e Lemurianos: Ghara tem um continente a menos do que deveria ter; o sistema solar ghariano tem um planeta devastado; e o anel ghariano passou a existir quando o Nivelador chamado Gigas Adamantos explodiu na órbita de Ghara; os poços de fel que fomentam a guerra centenária entre Neftul e Technogestalt são as feridas pelas quais Niveladores sugaram prana do nexo planetário.
EL e os Dragões conseguiram uma vitória com a amargura que se sente quando um potencial se torna impossível. Os Niveladores que restaram foram desmantelados ou escondidos pelos Dragões. Os Lemurianos foram arrancados de seus construtos e sentenciados por EL à desintegração conceitual. Os fragmentos desta punição são os ancestrais dos humanos, gigantes, halflings e anões. Exceto pelos humanos, cada uma destas raças herdou uma fração da essência lemuriana. A Criação sofreu danos e perdeu pedaços, tanto de partes mundanas, como animais e planetas, quanto de partes divinas como linhas de ley e estrelas. Criaturas deformadas e acidentais foram simplesmente recolhidas e presas dentro da maior das falhas geradas pelos lemurianos, guardadas por agentes divinos que encararam aquela cova demoníaca batizada de Abismo até ela encarar de volta. Apesar disso, as criaturas famintas e definhadas lá estavam condenadas a morrer, como o planejado, até Gênesis destrancar os portões, nomeá-las Nefilim e mostrar-lhes toda a comida e diversão que havia do lado de fora.
Enquanto isso, o estado da Criação obrigou EL a fragmentar a própria consciência em aspectos universais a todas as almas, os Elohim – Amante; Guerreiro; Herói; Criança; Lua; Mãe; Mártir; Morte; Sábio; Servo; Soberano; Sol; e Viajante. Estes arquétipos divinos eram responsáveis por curar e manter a Criação, cada um focando a sua atenção no seu respectivo domínio.
O Plano Original falhou, mas estas mudanças poderiam restaurar o que foi perdido e até permitir que EL tentasse crescer e se desenvolver de novo, desta vez com paciência. Foi aí que os planos deram errado mais uma vez, mas isso fica para outra ocasião.
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