sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Rotina de um habitante de Scarnost




     Os gritos parecem humanos, mas certos tipos de inimigos conseguem soar mais humanos do que você. A máscara contra miasma abafa sons mais baixos. Junto com a escuridão, também o impede de enxergar o próprio mosquete. Não importa, pois está acostumado a manuseá-lo nestas condições.

     Você se concentra em numerar as coceiras por medida crescente de intensidade. O talco higiênico escorreu junto com a transpiração dias atrás. Não consegue sentir o gosto de nada exceto o sal das gotas de suor que correm pelo rosto. Comer significa expor o rosto, que por sua vez leva a queimaduras na pele e na laringe. O nariz só consegue cheirar o interior da máscara: couro úmido e rançoso. Ótimo. Isso quer dizer que o filtro está funcionando.

     Uma brecha no miasma melhora a visibilidade. Você percebe um calombo estranho em uma paisagem tornada familiar por sessenta e sete dias e noites de observação constante. Os protocolos são sempre claros. Você mira, prende a respiração, dispara. O miasma engrossa antes que possa confirmar um acerto. Os gritos param.



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